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Dia da Favela - Entrevista MR Armeng

CULTURA

(Foto: Reprodução Facebook)

Quando falamos da vida na favela, as dificuldades parecem dobrar. Além das carências que comumente encontramos na cidade em setores como saúde, educação e emprego, nas favelas o cenário costuma ser ainda pior. Muitas vezes, é comum moradores conviverem com jovens transitando nas ruas armados, mortes pelo tráfico de drogas e com balas perdidas. Em meio a espetáculos tais que a favela pode nos apresentar, existem pessoas que continuam a lutar, a brigar com a “vida” pela vida, como o personagem desta matéria. Nos quadros da sala em uma casa no Nordeste de Amaralina, expoentes da música internacional, como Bob Marley e Stevie Wonder. Olhando para pela janela, uma favela que o cerca. Drogas, tráfico, roubos e acesso fácil a armas de fogo são oportunidades oferecidas pela comunidade. No meio delas, Maurício Souza, o MR Armeng escolheu a música como instrumento de sucesso para a vida. Em entrevista, ele nos conta como é viver na favela: “A favela é uma lama onde estão os diamantes”, filosofa. A frase faz parte da música “Eu vim de lá”, que compôs para um documentário sobre o menino Joel, morto em 2010, enquanto dormia e alvo de uma bala perdida. A vida na Favela aos olhos de Maurício de Souza

“Uma lama onde se garimpando encontramos os diamantes, talentos na música, no esporte, nas artes plásticas, enfim, muitas estrelas que por falta de oportunidades apagam”.

Newton: A favela te marcou ou você marcou a favela? MR. Armeng: Tenho a favela tatuada em mim, olha aqui no meu braço esquerdo (levanta o braço). Tem o título da minha música “Eu vim de lá”, me sinto abençoado por ter feito essa música para o menino Joel. Newton: Essa música foi feita em especial para o menino Joel? MR. Armeng: Sim, fui convidado pelo produtor do filme para fazer essa música, inclusive nos conhecemos aqui mesmo no bairro. É um documentário, na verdade, e sempre me emociono quando me lembro da história do Joel. Newton: O que é morar na favela? MR. Armeng: Morar na favela é lutar para sobreviver com as armadilhas que existem. Sempre digo aos caras: “’Véi’, cada beco desse aí tem uma ratoeira. Se você dê der mole e pisar, vai morrer. É que nem aquele pega-ratos vai ficar preso ali. Assim é o crime e o tráfico, são armadilhas do sistema aqui dentro para atrasar o progresso da favela, e isso acontece de várias formas. Na educação, por exemplo, não tem qualidade de ensino, poucos ou nenhum têm a oportunidade de se expressar. A favela precisa aprender a exigir respeito, porque como diz MV Bill: “Só tem força quando é nós contra nós, na frente do opressor abaixa a cabeça e perde a voz”. Newton: Como você vê a favela? MR. Armeng: Uma lama, onde garimpando encontramos os diamantes, talentos na música, no esporte, nas artes plásticas, enfim, muitas estrelas que a falta de oportunidades as apagam. Newton: O que acha da ação da polícia na comunidade? MR. Armeng: Rapaz, eu considero violenta e repressiva a ação da polícia nos bairros periféricos, tipo, a policia vem na favela e neguinho não quer saber se alguém tentou forçar os portões da minha casa, por exemplo. Eles aparecem aqui para coagir, para te olhar da cabeça aos pés e passar de viatura com armas para fora, correndo o risco de sermos baleados acidentalmente. Infelizmente é assim. Não é possível que o “Pacto pela Vida” só tenha dinheiro para comprar armas e viaturas. Tem que ter dinheiro para cultura. Não afirmo que todas as polícias são assim, mas infelizmente a maioria. Eles precisam repensar sobre a favela. Ligue a TV e leia um jornal e vocês vão ver quem é a polícia. Newton: O que você pensa do crescimento vertiginoso dos jovens na criminalidade? MR. Armeng: Onde não existem outras perspectivas, como arte, cultura e lazer, vai entrar o crime. O menino vai para escola de manhã, de tarde fica de bobeira na esquina. Esse envolvimento dos jovens no crime é fruto do sistema. Newton: o que acha da redução da maioridade penal? MR. Armeng: Critico o sistema de prisão no país e sou super contra a redução da maioridade penal. O governo deveria pensar em fazer uma reforma penitenciária, porque para mim ali é uma máquina de fazer bandido. Precisa-se de profissionalização e educação dentro dos presídios. Não há como discutir redução de maioridade penal se não temos a base, que é a educação. O sistema fecha a porta da escola e abre a porta da prisão.

Newton: Você tem projetos sociais? MR. Armeng: Minha carreira é um projeto social, como disse, muitas vezes abrimos o jornal e vemos o Nordeste de Amaralina na parte policial. E hoje consigo quebrar isso. Só essa semana saí no jornal três vezes. Quando “chuto”, não é só minha força, é a força de todos que torcem por mim e o gol é nosso. No último natal, consegui mais de mil brinquedos e na praça fizemos um natal diferente, me articulei, fiz minha casa de base e fizemos a maior festa! Também criei oficinas no Beco da Cultura fui até as escolas levar música, grafite-desenho e aulas de djs. Newton: e a recepção dos alunos? MR. Armeng: Foi uma coisa maravilhosa, recepção muito boa. Quando cheguei nas escolas, a galera já conhecia meu trabalho, inclusive, tem professores que trabalham com a identidade dos meninos em cima da minha música ‘Eu vim de lá”. Esse projeto foi maravilhoso, essas ações são sociais. Hip Hop é um estilo de vida que veio para mudar a realidade dos guetos. Newton: Você pretende se candidatar a vereador do bairro? MR. Armeng: Não tenho pretensões, mas quero fortalecer um candidato daqui do Nordeste de Amaralina. A população tem como eleger uns três vereadores. Apoio os candidatos que se projetam aqui na comunidade, mas eu não sei se me candidataria. Newton: Quais suas pretensões para o futuro? MR. Armeng: Eu costumo dizer que meu presente constrói meu futuro. No futuro eu quero que esse meu trabalho deixe um legado maior para as pessoas do que para mim, em especial às pessoas daqui do meu bairro. No lado profissional, eu quero seguir fazendo shows e gravando clipes. Agora, no segundo semestre, estou indo para São Paulo, vou passar dois meses lá para fazer com que minha carreira tenha uma projeção nacional, mostrar ao Brasil que Salvador tem Rap.

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